O futuro das mídias sociais é federado
Entre o final dos anos 70 e os anos 90, protocolos como TCP/IP e HTTP revolucionaram a comunicação global, permitindo a integração de redes heterogêneas em um sistema descentralizado e colaborativo. A World Wide Web surgiu nesse contexto, impulsionada por padrões abertos desenvolvidos por organizações como a IETF, responsável pela padronização de protocolos de rede, e o W3C, que define diretrizes para a web, garantindo sua acessibilidade e interoperabilidade.
Contudo, conforme a internet cresceu, tornou-se um espaço cada vez mais valioso, principalmente através do comércio digital e da publicidade, baseada na retenção da atenção dos usuários e na coleta e venda de seus dados. Grandes empresas passaram a adotar infraestruturas proprietárias, evitando protocolos abertos, para manter controle sobre esses ativos estratégicos. Nos anos 2010, redes sociais consolidadas como Facebook e Twitter cresceram no espaço digital seguindo esse modelo centralizado, que trouxe inovações rápidas, mas restringiu a interoperabilidade.
Ao longo dos anos, a internet se expandiu para um público cada vez mais amplo, incluindo usuários sem conhecimento técnico avançado. Nesse contexto, aplicativos que trazem inovações constantes e facilitam a experiência do usuário tendem a se destacar. Modelos descentralizados, que dependem de múltiplas instâncias operando de forma independente, geralmente exigem mais tempo para a implementação de novos recursos, o que pode torná-los menos atrativos para o público geral. Assim, mesmo iniciativas menores e baseadas em software livre acabam cedendo à lógica da centralização para viabilizar um desenvolvimento mais ágil e um produto mais fácil de ser utilizado.
Um exemplo emblemático desse dilema é a decisão do Signal de não adotar protocolos descentralizados como o XMPP ou o ActivityPub. Em uma carta pública em 2016, a equipe do Signal explicou que, embora admire os princípios da descentralização, a fragmentação trazida por múltiplas instâncias independentes dificulta a implementação de recursos inovadores e compromete a experiência do usuário. Assim, optou por manter uma arquitetura centralizada, priorizando velocidade no desenvolvimento, confiabilidade técnica e altos padrões de segurança e privacidade, ainda que isso signifique abrir mão da interoperabilidade plena.
Além disso, as mídias sociais deixaram de ser apenas espaços de interação pessoal para se tornarem canais essenciais para empresas, universidades, órgãos públicos e a imprensa. Com isso, tanto indivíduos quanto instituições passaram a depender dessas plataformas centralizadas para visibilidade e engajamento, sujeitando-se às regras impostas pelas Big Techs.
A centralização também impactou as normas de conduta nas redes. Nos anos 1990, a internet era vista como um espaço de liberdade irrestrita, sem fronteiras ou controle. Porém, na década de 2010, as plataformas passaram a concentrar não apenas a comunicação, mas também a moderação do conteúdo. Episódios como o escândalo da Cambridge Analytica, a disseminação de desinformação sobre vacinas na pandemia de covid-19 e os ataques ao Capitólio nos EUA colocaram as Big Techs sob intensa pressão para alterar as suas diretrizes de moderação.
O problema da moderação se torna mais complicado em larga escala e a tentativa de impor normas globais o agrava, já que diferentes países e grupos sociais possuem expectativas e legislações distintas sobre o que deve ser permitido. Embora tenha parecido que a moderação por meio de regras e princípios públicos se tornaria o padrão, o Vale do Silício passou recentemente por um realinhamento, com grandes empresas abandonando esse caminho. Declarações como as de Mark Zuckerberg, defendendo a centralização completa da moderação nas plataformas, e a aproximação de Elon Musk com Donald Trump ilustram essa mudança.
Protocolos distribuídos tendem a tornar o desenvolvimento menos ágil e dificultam a implementação rápida de novos recursos. No entanto, essa limitação pode ser compensada pelo ganho de um processo de moderação distribuído e institucionalizado, que evita a concentração de poder nas mãos de poucas empresas e permite que comunidades estabeleçam regras mais adequadas às suas realidades. Softwares livres como Mastodon e Pixelfed adotam essa lógica, combinando um desenvolvimento técnico centralizado, porém aberto e colaborativo, com uma governança descentralizada.
Plataformas digitais podem ser entendidas como sistemas que organizam o uso de um recurso coletivo: a atenção dos usuários. Quando esse tipo de recurso é explorado sem regras claras e sem participação das pessoas envolvidas, corre-se o risco de que ele se esgote — seja pelo excesso de ruído, pela manipulação ou pela perda de confiança no ambiente. Para evitar isso, é necessário criar formas de organização que não dependam apenas da boa vontade das empresas, mas que envolvam regras construídas coletivamente, com transparência e participação. Assim como acontece em comunidades que conseguem cuidar de recursos compartilhados, como água ou terra, é possível imaginar modelos de moderação em que grupos diferentes definam suas próprias normas de convivência e monitorem seu cumprimento. As redes federadas apontam nessa direção: elas permitem que cada comunidade estabeleça suas próprias regras, formas de cuidado, moderação e governança, tornando o ambiente digital mais plural, estável e saudável.
Nos servidores universitários, por exemplo, a governança pode refletir as categorias acadêmicas, garantindo participação equitativa. Além disso, ao manter a soberania sobre os dados, as universidades podem utilizá-los para pesquisas sem depender de intermediários privados. Servidores governamentais podem priorizar transparência e imparcialidade, enquanto as redes federadas para museus podem focar na preservação e difusão do conhecimento. No futuro, servidores específicos para meios de comunicação poderiam adotar boas práticas jornalísticas, fortalecendo a responsabilidade editorial. Esse modelo descentralizado permite que cada comunidade preserve sua identidade e critérios de qualidade, sem comprometer a interoperabilidade entre as redes.